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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Doença no Crato matou 1.100 pessoas

Fonte: Diário do Nordeste

O professor Jucieldo Alexandre pesquisou a partir de informações que eram publicadas no jornal "O Araripe" (Foto: Elizângela Santos)

Crato O que para os cratenses de hoje em dia pode parecer um local comum, representou há 150 anos um território marcado pelo medo e a desgraça. O "Cemitério dos Coléricos", atual subestação de energia, no Bairro São Miguel, era um espaço para as vítimas de um dos males que acometeu a população cratense e chegou a matar mais de 1.100 pessoas só na cidade. No Ceará, especula-se mais de 11 mil mortos. O cólera entrou no Brasil pelo Estado do Pará, por meio de uma embarcação de colonos portugueses, e chegou com toda força no Nordeste brasileiro. Mesmo aportando no Brasil em 1855, a primeira vítima da doença no Ceará ocorreu na cidade de Icó, em 1862.


Foram milhões de mortos em todo o mundo, principalmente em países da Europa, Ásia e parte das Américas. Tão grande era o desconhecimento e a visão deturpadora da doença, que a principal forma de transmissão no Crato descia ruas abaixo e entrava nas casas pelo Rio Grangeiro, que cortava parte da cidade. Não se tinha ideia que a doença infecto-contagiosa era provocada pela bactéria Vibrio cholerae, descoberta pelo alemão Robert Koch. O mesmo do bacilo de Koch, que provoca a tuberculose.

O desconhecimento das formas de contaminação, pela ingestão de água e alimentos, e do tratamento, levou a dizimar rapidamente parte de população. A epidemia era assunto constante dos jornais, que publicavam até orações no intuito de fortalecer a crença religiosa como forma de combate à doença. Houve uma presença forte da religiosidade nesse contexto.

Segundo o professor Jucieldo Ferreira Alexandre, que defendeu a tese de mestrado intitulada Impressões Sobre o "Judeu Errante": Representações Sobre o Cólera no Periódico Cratense O Araripe (1862-1864), defendida em 2010, no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), houve interpretação religiosa para a doença. "O imaginário da doença como vontade divina. Ao longo do tempo, tal percepção foi constante e praticamente se estende a todas as epidemias". As pesquisas para o trabalho do professor Jucieldo estiveram centradas principalmente no jornal "O Araripe".

E essa forma de interpretação, lembra Jucieldo, não está apenas relacionada a epidemias como o cólera, mas a Aids, por exemplo. "Não deixou de despertar discursos moralistas e religiosos, que enxergaram na mesma uma condenação divina de uma sociedade". E essa realidade está presente na literatura antiga também, a exemplo da Ilíada, em que o deus Apolo aparece como arqueiro, segundo o historiador, e dizima tropas, para destruir o mal. No Cariri, não apenas o Crato, mas grande parte do Sul do Estado chegou a ser atingido pela doença. Trazer à tona essa realidade trágica, para o historiador, retrata situações relacionadas às questões culturais, sociais, econômicas e religiosas de uma sociedade. O interesse de resgatar esse período de pavor veio a partir do momento em que, na graduação, o estudioso teve contato com a Historiografia das Doenças, que analisa esses momentos como fenômenos que ultrapassam a esfera do natural. A escolha de um espaço a mais de dois quilômetros da área mais povoada da cidade do Crato, para enterrar as vítimas do cólera, segundo o historiador, teve um sentido, que ele encontra como explicação o medo de contrair a doença, pela grande quantidade diária de vítimas sepultadas. O cemitério Bom Jesus dos Pecadores, hoje Nossa Senhora da Piedade, no Centro da cidade, e bem próximo da igreja, não era o local adequado para receber tantos corpos e por isso passou a ser uma real ameaça à saúde da população.

No Brasil foram mais de 200 mil mortos, de uma doença que se espalhou feito rastilho de pólvora. A quantidade de mortos no Ceará, terra que viu o surto da doença de uma forma tardia em relação ao País e algumas cidades do Nordeste, segundo o estudioso, esteve bem acima de 11 mil pessoas.

No Crato, os homens de vermelho e embriagados que transportavam os corpos das vilas até o Cemitério dos Coléricos, trabalharam bem mais do que se pensa. Eles foram diferenciados, não se sabe por qual razão, para levar as vítimas, em sua maioria pobre até as valas. O cólera dentro dessa realidade histórica acabou tendo como grande legado a ignorância e o preconceito. Passou a ser um dos maiores males do século XIX e tomou as páginas dos jornais. Foi a peste que secou o povo.

O cólera entrou no Brasil pelo Estado do Pará, por meio de uma embarcação de colonos portugueses, e chegou com toda força no Nordeste

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