(FONTE - MISERIA)
Demontier Tenório
O Site Miséria lembra neste sábado a passagem dos 85 anos
de nascimento de Seu Lunga conhecido popularmente em quase todo o Brasil
e aproveita para prestar uma homenagem a esse homem trabalhador,
sincero e de bom caráter. A propósito, a Revista Costumes, editada
trimestralmente pelo Mercadinho São Luiz, traz na sua nova edição ampla
matéria com esse querido personagem igualmente na forma de homenagem.
Quando se fala em Joaquim dos Santos Rodrigues ninguém sabe de quem se trata, porém, citado pelo apelido de Seu Lunga, a imaginação atira na direção de um homem ignorante o que não é verdadeiro por se constituir num calmo cidadão. Ele não é lembrado como o poeta, o comerciante, o agropecuarista, o eleitor que um dia quis ser vereador em Juazeiro do Norte ou o panegirista. É que Seu Lunga costuma discursar por ocasião do sepultamento de parentes dando vazão à sua emoção em despedidas fúnebres.
Como para ele o que interessa é a vida, evita responder quem gostaria que fosse o seu panegirista. Nascido no dia 18 de agosto de 1927 no Sítio Gravatá na zona rural de Caririaçu, viveu a infância e adolescência no município de Assaré, terra do poeta Patativa, e, a partir da juventude, em Juazeiro do Norte. Seu Lunga chega aos 85 anos sem reclamar tanto da saúde. Todo dia faz o trajeto a pé ou bicicleta entre os cinco quarteirões que separam a residência e seu local de trabalho uma sucataria que funciona na Rua Santa Luzia no centro da cidade.
Quinzenalmente, vai até sua propriedade rural localizada no Sítio Pedrinhas situado a uma distância média de seis quilômetros em relação ao centro de Juazeiro. Em meio às fruteiras espalhadas no terreno, ele cria cerca de 30 cabeças de gado. Na sucataria, são diversos tipos de produtos, sendo a maioria ferragens e objetos usados que se misturam. Quando alguém chega procurando algo, ele tenta rebuscar na memória o lugar onde se encontra e termina localizando pacientemente e em pouco tempo.
Quando a reportagem esteve no local uma mulher chegou querendo comprar um cabide de roupas usado. Em poucos minutos a peça de ferro estava em suas mãos com Seu Lunga anunciando o preço de R$ 5,00. Ela sugere a redução para R$ 4,00 e o comerciante apenas cala. É que o mesmo diz ter um preço único desde 1950 e quando a pessoa reclama que está caro, faz questão de informar onde pode encontrar mais barato, porém não baixa seu preço.
Uma freguesa a seguir levou facas e tesouras para amolar. Francisca Bezerra mora pertinho, na Rua Boa Vista, e diz ser cliente antiga “por encontrar na sucataria tudo que procuro”. São mais de 20 mil itens de produtos espalhados por todos os lugares e ele não gosta quando alguém chega e pergunta se mercadoria tal é para vender. Seu Lunga é pragmático ensinando que "o único lugar onde se encontra coisas expostas que não é prá vender é no museu", diz garantindo ainda não ser ignorante. “Não gosto é de pergunta idiota”.
A força desse personagem folclórico é tão grande que cerca de 90% das publicações em revistas, jornais, noticiários de rádio e TV, blogs e sites por ocasião do centenário de emancipação política de Juazeiro do Norte, o mesmo foi citado. Sendo ilustre ou não, dividiu espaços com o Padre Cícero Romão Batista, a figura mais importante do município, que ele disse ter conhecido. Seu Lunga tinha apenas sete anos na época da morte do sacerdote e o viu certa vez quando veio de Assaré, mas só fixou residência no município em 1948 com a família aos 21 anos de idade.
Nas badalações pela festa dos 100 anos de Juazeiro, ele foi destaque até em matéria com várias páginas na Revista Playboy. Num dos trechos diz ser imensurável a quantidade de piadas que correm sobre as “grosserias” de Seu Lunga. Uma pesquisa feita no Google mostra mais de 166 mil resultados para este personagem. Já no Twitter, a conta @SenhorLunga (uma das três atribuídas a ele) tem mais de 20 mil seguidores atualmente, onde são reproduzidos causos e frases que seriam dele.
Sentado em um banquinho de madeira na calçada do seu ferro-velho e quase sempre de olho numa TV Semp de 10 polegadas, Seu Lunga demonstra não se acostumar com a fama. Vez por outra, chegam grupos de pessoas de diferentes cidades e estados junto aos quais não faltam máquinas fotográficas e o mesmo termina se deixando fotografar ao lado dos visitantes. “Não sei prá que isso!”, retruca, mas concorda. Enquanto a Reportagem ali esteve, surgiram dois grupos de Maracanaú e Fortaleza.
Outras pessoas ficam a observá-lo há alguns metros de distância e até o fotografam de longe. Uma adolescente de 17 anos confessou receio, pois Seu Lunga não consegue apagar a imagem de "homem rude, grosseiro e ignorante" criada pelo imaginário popular e alimentada, principalmente, pela literatura de cordel. As piadas sobre suas respostas engraçadas e intempestivas estão nas mesas dos bares, nas conversas entre amigos e programas de humor.
JUSTIÇA – O único que não ri da situação é ele próprio considerando todo esse repertório de anedotas como “mentiroso”. Por isso, foi parar na justiça contra o uso do seu nome de forma a denegrir sua imagem. Em Junho de 2008 perdeu uma ação indenizatória contra o poeta cordelista Abraão Batista, porém, três anos após ter recorrido, foi o vencedor ao ver o poder judiciário proibir o poeta juazeirense de escrever novos livretos de literatura de cordel relatando causos a ele atribuídos.
O móvel das ações foi o cordel intitulado: “As histórias de Seu Lunga – o homem mais zangado do mundo”, editado em 1987 e reeditado no ano seguinte. Inicialmente, solicitou indenização por danos morais e, de forma liminar, o recolhimento dos cordéis o que não foi acatado pela justiça. As razões da defesa de Abraão convenceram o poder judiciário de que as histórias do Seu Lunga já são de domínio público. Por isso, a sentença da Justiça decidiu pelo arquivamento do processo contra o poeta.
Todavia, em maio de 2011 a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, decidiu proibir Abraão de escrever novos cordéis sobre Seu Lunga. Conforme os autos, ele publicou diversos poemas de causos atribuindo ao comerciante sem a devida autorização do mesmo e ferindo sua dignidade. A sentença constata que “houve prática de ilícito à medida em que os cordéis violam os direitos do apelante inerentes à personalidade, à dignidade e à honra perante à comunidade”.
Para o Desembargador Francisco Sales Neto, o poeta fantasiou situações garantindo a imagem negativa de “grosseirão” a Seu Lunga tornando-o alvo de chacota na sociedade Juazeirense. Na época, o pesquisador Renato Casimiro contabilizou 78 títulos de cordéis assinados por 39 poetas contando a história do comerciante e fazendo menções aos causos a partir do próprio Abraão em 1983. Os livretos são vendidos em feiras, pontos turísticos e bancas de revistas com tiragem média de 2 mil exemplares.
A pesquisa de Renato aponta alguns até curiosos como: “”Discussão de Seu Lunga com um corno”; “Seu Lunga assistindo novela”; “Seu Lunga, a tolerância zero”; “Seu Lunga na Bienal”; “Seu Lunga – um caipira na ONU”; “A carta de Seu Lunga a FHC sobre o Apagão”; “Seu Lunga na escola”; “perguntas do Pastor e as respostas do Seu Lunga”; “Seu Lunga no tempo que foi bicheiro”; “O mau humor do Seu Lunga na fila do INSS”; “O debate do Seu Lunga com um guarda da SUCAM”; “O encontro do Coxinha com Seu Lunga”; “Os projetos do seu Lunga para quando for prefeito”; “Seu Lunga no Rio de Janeiro”; e “Seu Lunga e uma paixão do passado” são alguns.
O professor Renato Casimiro confessa sua estima por Seu Lunga que era amigo do seu pai e também comerciante, Luiz Cassimiro. Ele discorda inteiramente e considera uma grosseria atribuir ao mesmo tantas afirmações e situações estranhíssimas. “Mesmo a despeito de ser o que é essa figura de tolerância zero, não chega às raias de tantos absurdos”, diz o professor lembrando que o seu pai comprava energia elétrica a Seu Lunga entre o final da década de 50 e início dos anos 60 em Juazeiro.
Na sua família, são poucos os que o chamam de Joaquim, pois o apelido veio cedo, sendo um derivado de Calunga, que lhe fora dado por uma vizinha. Ele teve sete irmãos e viveu sua infância "no meio dos matos". Seu Lunga começou a trabalhar na roça aos oito anos e admirava a criação rígida de seu pai. "Sempre fui um filho obediente e passei isso para os meus filhos", explicou. Quando ainda morava em Assaré, caiu dentro de um cacimbão e ficou impossibilitado de continuar ajudando o pai na roça.
Daí veio morar em Juazeiro, onde aprendeu a arte de ourives e trabalhou dois anos na atividade. Depois beneficiou arroz, torrou café, fez massa de milho até se tornar um comerciante instalando a loja de sucatas no centro. Casou-se em 1951 e teve 14 filhos, que, apesar da pouca instrução, conseguiu dar pelo menos a educação básica. Por erro do cartório, seu nome ganhou “Santos” que deveria ser “Tenório”, pois seu avô era parente do famoso Cabo Tenório, homem temido nas Alagoas, mas o que Seu Lunga gosta mesmo é de poesias e até recitou algumas de sua autoria para nossa reportagem:
Quem não mora muito longe, morando perto é vizim
Encostado a essa mata, a mata que tem espim
Cada pau tem o seu galho, cada galho o seu Nim
Não vou morar nessa mata, por causa dos Passarim.
Morava bem em Juazeiro
Mas me transportei daqui e fui morar em Salgueiro
Lá existe uma fazenda que só existe vaqueiro
Existe também um boi que é um grande boi mandingueiro
E eu montado em meu cavalo, cavalo muito ligeiro
Eu vou derribar o boi, cavalo, boi e vaqueiro.
Quem me dera ser um pássaro para no mundo voar
Eu ía para o Oceano, depois podia voltar
Mas vinha cair em seu braços somente prá consolar
Se conhece o bom guerreiro Quando luta e é feroz
O homem pela conversa e o cantador pela voz
A única vez que assistiu a um jogo de futebol se decepcionou. Foi entre Juazeiro e Crato semanas após ter chegado à terra de Padre Cícero. "Só deu pancadaria. O campo tava em obras e houve uma chuva de concreto e banda de tijolo. Nunca esqueci àquela cachorrada", resumiu. Se fui namorador? "casei com 22 anos", nega. Seu Lunga se apresenta como um homem católico e devoto de Padre Cícero o qual espera ver reabilitado antes de morrer. "Era um homem de visão e poder. Muitos tinham era inveja da sua inteligência", diz referindo-se ao sacerdote.
Eis algumas situações atribuídas a Seu Lunga:
Seu Lunga estava em casa com sede e manda o sobrinho trazer leite. Daí o garoto pergunta: - No copo seu Lunga? Ele responde: Não. Bota no chão e vem empurrando com o rodo.
Seu Lunga no elevador e alguém pergunta: Sobe? E ele: Não, esse elevador anda de lado.
Seu Lunga, quando jovem, se apresentou à Marinha para a entrevista e o oficial pergunta: Você sabe nadar?
- Sei não senhor.
- Mas se não sabe nadar, como é que quer servir à Marinha?
- Quer dizer que se eu fosse pra Aeronáutica, tinha que saber voar!!
Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: Tá doente, seu Lunga? E Ele: Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto!
O funcionário do banco foi avisá-lo: “Seu Lunga, a promissória venceu” e o mesmo respondeu “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
Na sucataria alguém chega e pergunta: "Esse ventilador está funcionando?" e, indignado, seu Lunga responde: "Como é que ele pode estar funcionando se não está ligado?".
O filho do Seu Lunga jogava futebol e um dia ele foi assistir quando um torcedor pergunta: “Qual dos atletas é o seu filho?”. Seu Lunga aponta e diz: “É aquele ali”, sendo que o interlocutor não identificou e insistiu até Seu Lunga atirar uma pedra no rapaz e dizer: “É aquele que começou a chorar!”.
Uma pessoa pergunta a Seu Lunga se caminhar faz bem à saúde? E ele responde de pronto que: “Se for assim, o carteiro era um ser imortal”.
Certa vez, na hora de pagar a conta em um restaurante, ele puxou o talão e o garçom teve dúvidas perguntando se ele ia pagar com cheque. Ele olhou para o mesmo por alguns segundos e disse: “Não! peguei o talão pra lhe escrever um poema”.
Em um bar, Seu Lunga entrou e pediu à atendente que colocasse um disco de Waldick Soriano e a mesma respondeu: “Não posso. Meu marido morreu”. Ao que Seu Lunga indagou: “Por acaso ele levou os discos pro caixão?”
O professor e pesquisador sobre a história de Juazeiro do Norte, Daniel Walker de Almeida Marques, cujos pais foram vizinhos de Seu Lunga a vida toda, garante que esse ilustre personagem fica envaidecido com a fama. Ele aposta que, em breve, o mesmo será tão conhecido como Padre Cícero considerando que “Lunga sobreviverá à própria morte e vai entrar para a história como personagem folclórico do Nordeste”. Já o cantor Raimundo Fagner gosta tanto das histórias de Seu Lunga que pensa em juntar as melhores e escrever um livro.
São muitos os causos atribuídos a Seu Lunga publicados nas redes sociais uma tecnologia bem distante dele que sequer sabe ligar um computador. Dessa forma, nada entende sobre Internet. Todavia, procura passar a idéia de um homem bem informado e arrisca alguns comentários até em relação à política internacional. O comerciante confessa sua admiração pelo presidente do Estados Unidos, Barack Obama, e diz temer pela vida do mesmo. "Já mataram dois presidentes por lá", recorda.
No âmbito nacional não esconde a admiração pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, no plano local, cita o ex-prefeito de Juazeiro do Norte e ex-deputado federal, Humberto Bezerra. "Todo mês ele dizia o que tinha recebido com o que tinha gastado e o que tava pensando em fazer", relembra acrescentando que iam pedir um menor preço no IPTU e ele negava dizendo que não podia. Quando disputou o cargo de vereador em 1988 pelo PMDB obteve 273 votos ficando na 56ª posição no geral.
O que o comerciante não gosta mesmo é do poder judiciário afirmando que a polícia prende e o "caba ruim" tá solto no outro dia. Quando a reportagem pede uma auto definição, ele diz ser um homem sério. "Nunca ri e nem gosto de show de humor", acrescenta. Seu Lunga é casado com Dona Carmelita Camilo Rodrigues, cujo casal teve 14 filhos dos quais 12 estão vivos. Ele mora em uma casa de muro alto na Praça do Memorial Padre Cícero, região nobre de Juazeiro bem no epicentro das romarias.
Quando se fala em Joaquim dos Santos Rodrigues ninguém sabe de quem se trata, porém, citado pelo apelido de Seu Lunga, a imaginação atira na direção de um homem ignorante o que não é verdadeiro por se constituir num calmo cidadão. Ele não é lembrado como o poeta, o comerciante, o agropecuarista, o eleitor que um dia quis ser vereador em Juazeiro do Norte ou o panegirista. É que Seu Lunga costuma discursar por ocasião do sepultamento de parentes dando vazão à sua emoção em despedidas fúnebres.
Como para ele o que interessa é a vida, evita responder quem gostaria que fosse o seu panegirista. Nascido no dia 18 de agosto de 1927 no Sítio Gravatá na zona rural de Caririaçu, viveu a infância e adolescência no município de Assaré, terra do poeta Patativa, e, a partir da juventude, em Juazeiro do Norte. Seu Lunga chega aos 85 anos sem reclamar tanto da saúde. Todo dia faz o trajeto a pé ou bicicleta entre os cinco quarteirões que separam a residência e seu local de trabalho uma sucataria que funciona na Rua Santa Luzia no centro da cidade.
Quinzenalmente, vai até sua propriedade rural localizada no Sítio Pedrinhas situado a uma distância média de seis quilômetros em relação ao centro de Juazeiro. Em meio às fruteiras espalhadas no terreno, ele cria cerca de 30 cabeças de gado. Na sucataria, são diversos tipos de produtos, sendo a maioria ferragens e objetos usados que se misturam. Quando alguém chega procurando algo, ele tenta rebuscar na memória o lugar onde se encontra e termina localizando pacientemente e em pouco tempo.
Quando a reportagem esteve no local uma mulher chegou querendo comprar um cabide de roupas usado. Em poucos minutos a peça de ferro estava em suas mãos com Seu Lunga anunciando o preço de R$ 5,00. Ela sugere a redução para R$ 4,00 e o comerciante apenas cala. É que o mesmo diz ter um preço único desde 1950 e quando a pessoa reclama que está caro, faz questão de informar onde pode encontrar mais barato, porém não baixa seu preço.
Uma freguesa a seguir levou facas e tesouras para amolar. Francisca Bezerra mora pertinho, na Rua Boa Vista, e diz ser cliente antiga “por encontrar na sucataria tudo que procuro”. São mais de 20 mil itens de produtos espalhados por todos os lugares e ele não gosta quando alguém chega e pergunta se mercadoria tal é para vender. Seu Lunga é pragmático ensinando que "o único lugar onde se encontra coisas expostas que não é prá vender é no museu", diz garantindo ainda não ser ignorante. “Não gosto é de pergunta idiota”.
A força desse personagem folclórico é tão grande que cerca de 90% das publicações em revistas, jornais, noticiários de rádio e TV, blogs e sites por ocasião do centenário de emancipação política de Juazeiro do Norte, o mesmo foi citado. Sendo ilustre ou não, dividiu espaços com o Padre Cícero Romão Batista, a figura mais importante do município, que ele disse ter conhecido. Seu Lunga tinha apenas sete anos na época da morte do sacerdote e o viu certa vez quando veio de Assaré, mas só fixou residência no município em 1948 com a família aos 21 anos de idade.
Nas badalações pela festa dos 100 anos de Juazeiro, ele foi destaque até em matéria com várias páginas na Revista Playboy. Num dos trechos diz ser imensurável a quantidade de piadas que correm sobre as “grosserias” de Seu Lunga. Uma pesquisa feita no Google mostra mais de 166 mil resultados para este personagem. Já no Twitter, a conta @SenhorLunga (uma das três atribuídas a ele) tem mais de 20 mil seguidores atualmente, onde são reproduzidos causos e frases que seriam dele.
Sentado em um banquinho de madeira na calçada do seu ferro-velho e quase sempre de olho numa TV Semp de 10 polegadas, Seu Lunga demonstra não se acostumar com a fama. Vez por outra, chegam grupos de pessoas de diferentes cidades e estados junto aos quais não faltam máquinas fotográficas e o mesmo termina se deixando fotografar ao lado dos visitantes. “Não sei prá que isso!”, retruca, mas concorda. Enquanto a Reportagem ali esteve, surgiram dois grupos de Maracanaú e Fortaleza.
Outras pessoas ficam a observá-lo há alguns metros de distância e até o fotografam de longe. Uma adolescente de 17 anos confessou receio, pois Seu Lunga não consegue apagar a imagem de "homem rude, grosseiro e ignorante" criada pelo imaginário popular e alimentada, principalmente, pela literatura de cordel. As piadas sobre suas respostas engraçadas e intempestivas estão nas mesas dos bares, nas conversas entre amigos e programas de humor.
JUSTIÇA – O único que não ri da situação é ele próprio considerando todo esse repertório de anedotas como “mentiroso”. Por isso, foi parar na justiça contra o uso do seu nome de forma a denegrir sua imagem. Em Junho de 2008 perdeu uma ação indenizatória contra o poeta cordelista Abraão Batista, porém, três anos após ter recorrido, foi o vencedor ao ver o poder judiciário proibir o poeta juazeirense de escrever novos livretos de literatura de cordel relatando causos a ele atribuídos.
O móvel das ações foi o cordel intitulado: “As histórias de Seu Lunga – o homem mais zangado do mundo”, editado em 1987 e reeditado no ano seguinte. Inicialmente, solicitou indenização por danos morais e, de forma liminar, o recolhimento dos cordéis o que não foi acatado pela justiça. As razões da defesa de Abraão convenceram o poder judiciário de que as histórias do Seu Lunga já são de domínio público. Por isso, a sentença da Justiça decidiu pelo arquivamento do processo contra o poeta.
Todavia, em maio de 2011 a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, decidiu proibir Abraão de escrever novos cordéis sobre Seu Lunga. Conforme os autos, ele publicou diversos poemas de causos atribuindo ao comerciante sem a devida autorização do mesmo e ferindo sua dignidade. A sentença constata que “houve prática de ilícito à medida em que os cordéis violam os direitos do apelante inerentes à personalidade, à dignidade e à honra perante à comunidade”.
Para o Desembargador Francisco Sales Neto, o poeta fantasiou situações garantindo a imagem negativa de “grosseirão” a Seu Lunga tornando-o alvo de chacota na sociedade Juazeirense. Na época, o pesquisador Renato Casimiro contabilizou 78 títulos de cordéis assinados por 39 poetas contando a história do comerciante e fazendo menções aos causos a partir do próprio Abraão em 1983. Os livretos são vendidos em feiras, pontos turísticos e bancas de revistas com tiragem média de 2 mil exemplares.
A pesquisa de Renato aponta alguns até curiosos como: “”Discussão de Seu Lunga com um corno”; “Seu Lunga assistindo novela”; “Seu Lunga, a tolerância zero”; “Seu Lunga na Bienal”; “Seu Lunga – um caipira na ONU”; “A carta de Seu Lunga a FHC sobre o Apagão”; “Seu Lunga na escola”; “perguntas do Pastor e as respostas do Seu Lunga”; “Seu Lunga no tempo que foi bicheiro”; “O mau humor do Seu Lunga na fila do INSS”; “O debate do Seu Lunga com um guarda da SUCAM”; “O encontro do Coxinha com Seu Lunga”; “Os projetos do seu Lunga para quando for prefeito”; “Seu Lunga no Rio de Janeiro”; e “Seu Lunga e uma paixão do passado” são alguns.
O professor Renato Casimiro confessa sua estima por Seu Lunga que era amigo do seu pai e também comerciante, Luiz Cassimiro. Ele discorda inteiramente e considera uma grosseria atribuir ao mesmo tantas afirmações e situações estranhíssimas. “Mesmo a despeito de ser o que é essa figura de tolerância zero, não chega às raias de tantos absurdos”, diz o professor lembrando que o seu pai comprava energia elétrica a Seu Lunga entre o final da década de 50 e início dos anos 60 em Juazeiro.
Na sua família, são poucos os que o chamam de Joaquim, pois o apelido veio cedo, sendo um derivado de Calunga, que lhe fora dado por uma vizinha. Ele teve sete irmãos e viveu sua infância "no meio dos matos". Seu Lunga começou a trabalhar na roça aos oito anos e admirava a criação rígida de seu pai. "Sempre fui um filho obediente e passei isso para os meus filhos", explicou. Quando ainda morava em Assaré, caiu dentro de um cacimbão e ficou impossibilitado de continuar ajudando o pai na roça.
Daí veio morar em Juazeiro, onde aprendeu a arte de ourives e trabalhou dois anos na atividade. Depois beneficiou arroz, torrou café, fez massa de milho até se tornar um comerciante instalando a loja de sucatas no centro. Casou-se em 1951 e teve 14 filhos, que, apesar da pouca instrução, conseguiu dar pelo menos a educação básica. Por erro do cartório, seu nome ganhou “Santos” que deveria ser “Tenório”, pois seu avô era parente do famoso Cabo Tenório, homem temido nas Alagoas, mas o que Seu Lunga gosta mesmo é de poesias e até recitou algumas de sua autoria para nossa reportagem:
Quem não mora muito longe, morando perto é vizim
Encostado a essa mata, a mata que tem espim
Cada pau tem o seu galho, cada galho o seu Nim
Não vou morar nessa mata, por causa dos Passarim.
Morava bem em Juazeiro
Mas me transportei daqui e fui morar em Salgueiro
Lá existe uma fazenda que só existe vaqueiro
Existe também um boi que é um grande boi mandingueiro
E eu montado em meu cavalo, cavalo muito ligeiro
Eu vou derribar o boi, cavalo, boi e vaqueiro.
Quem me dera ser um pássaro para no mundo voar
Eu ía para o Oceano, depois podia voltar
Mas vinha cair em seu braços somente prá consolar
Se conhece o bom guerreiro Quando luta e é feroz
O homem pela conversa e o cantador pela voz
A única vez que assistiu a um jogo de futebol se decepcionou. Foi entre Juazeiro e Crato semanas após ter chegado à terra de Padre Cícero. "Só deu pancadaria. O campo tava em obras e houve uma chuva de concreto e banda de tijolo. Nunca esqueci àquela cachorrada", resumiu. Se fui namorador? "casei com 22 anos", nega. Seu Lunga se apresenta como um homem católico e devoto de Padre Cícero o qual espera ver reabilitado antes de morrer. "Era um homem de visão e poder. Muitos tinham era inveja da sua inteligência", diz referindo-se ao sacerdote.
Eis algumas situações atribuídas a Seu Lunga:
Seu Lunga estava em casa com sede e manda o sobrinho trazer leite. Daí o garoto pergunta: - No copo seu Lunga? Ele responde: Não. Bota no chão e vem empurrando com o rodo.
Seu Lunga no elevador e alguém pergunta: Sobe? E ele: Não, esse elevador anda de lado.
Seu Lunga, quando jovem, se apresentou à Marinha para a entrevista e o oficial pergunta: Você sabe nadar?
- Sei não senhor.
- Mas se não sabe nadar, como é que quer servir à Marinha?
- Quer dizer que se eu fosse pra Aeronáutica, tinha que saber voar!!
Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: Tá doente, seu Lunga? E Ele: Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto!
O funcionário do banco foi avisá-lo: “Seu Lunga, a promissória venceu” e o mesmo respondeu “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
Na sucataria alguém chega e pergunta: "Esse ventilador está funcionando?" e, indignado, seu Lunga responde: "Como é que ele pode estar funcionando se não está ligado?".
O filho do Seu Lunga jogava futebol e um dia ele foi assistir quando um torcedor pergunta: “Qual dos atletas é o seu filho?”. Seu Lunga aponta e diz: “É aquele ali”, sendo que o interlocutor não identificou e insistiu até Seu Lunga atirar uma pedra no rapaz e dizer: “É aquele que começou a chorar!”.
Uma pessoa pergunta a Seu Lunga se caminhar faz bem à saúde? E ele responde de pronto que: “Se for assim, o carteiro era um ser imortal”.
Certa vez, na hora de pagar a conta em um restaurante, ele puxou o talão e o garçom teve dúvidas perguntando se ele ia pagar com cheque. Ele olhou para o mesmo por alguns segundos e disse: “Não! peguei o talão pra lhe escrever um poema”.
Em um bar, Seu Lunga entrou e pediu à atendente que colocasse um disco de Waldick Soriano e a mesma respondeu: “Não posso. Meu marido morreu”. Ao que Seu Lunga indagou: “Por acaso ele levou os discos pro caixão?”
O professor e pesquisador sobre a história de Juazeiro do Norte, Daniel Walker de Almeida Marques, cujos pais foram vizinhos de Seu Lunga a vida toda, garante que esse ilustre personagem fica envaidecido com a fama. Ele aposta que, em breve, o mesmo será tão conhecido como Padre Cícero considerando que “Lunga sobreviverá à própria morte e vai entrar para a história como personagem folclórico do Nordeste”. Já o cantor Raimundo Fagner gosta tanto das histórias de Seu Lunga que pensa em juntar as melhores e escrever um livro.
São muitos os causos atribuídos a Seu Lunga publicados nas redes sociais uma tecnologia bem distante dele que sequer sabe ligar um computador. Dessa forma, nada entende sobre Internet. Todavia, procura passar a idéia de um homem bem informado e arrisca alguns comentários até em relação à política internacional. O comerciante confessa sua admiração pelo presidente do Estados Unidos, Barack Obama, e diz temer pela vida do mesmo. "Já mataram dois presidentes por lá", recorda.
No âmbito nacional não esconde a admiração pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, no plano local, cita o ex-prefeito de Juazeiro do Norte e ex-deputado federal, Humberto Bezerra. "Todo mês ele dizia o que tinha recebido com o que tinha gastado e o que tava pensando em fazer", relembra acrescentando que iam pedir um menor preço no IPTU e ele negava dizendo que não podia. Quando disputou o cargo de vereador em 1988 pelo PMDB obteve 273 votos ficando na 56ª posição no geral.
O que o comerciante não gosta mesmo é do poder judiciário afirmando que a polícia prende e o "caba ruim" tá solto no outro dia. Quando a reportagem pede uma auto definição, ele diz ser um homem sério. "Nunca ri e nem gosto de show de humor", acrescenta. Seu Lunga é casado com Dona Carmelita Camilo Rodrigues, cujo casal teve 14 filhos dos quais 12 estão vivos. Ele mora em uma casa de muro alto na Praça do Memorial Padre Cícero, região nobre de Juazeiro bem no epicentro das romarias.
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